Há mais de vinte anos, a despesa pública estava controlada. Um percurso de autocarro entre um bairro na periferia de Odivelas e Alvalade chegava a demorar três horas, com o trânsito. Se não se vivesse ou trabalhasse nos sítios onde o veículo parava primeiro, andar naquele meio de transporte implicava algum tipo contacto íntimo com mamas, rabos e sovacos, dada a quantidade de passageiros lá dentro. Se a viagem fosse feita entre o aeroporto e o Campo Grande, havia barracas dos dois lados da estrada, um excelente indicador de qualidade de vida e um belo quadro para os turistas que cá vinham. Pode-se sempre voltar a esse modelo de desenvolvimento. Algumas das empresas mais deficitárias do país são a CP, a Carris, a Rodoviária de Lisboa e o Metro de Lisboa. Pode-se certamente cortar nesta despesa pública, deixando de fazer alguns percursos. Por que motivo é que não se pode acabar com comboios que só levam dois ou três velhos para Trás-os-Montes, se os preços dos bilhetes não compensam os gastos e há tantos velhos que aguentam bem as caminhadas até Fátima? Podemos deixar de subsidiar as rendas dos bairros sociais e deixar que os ciganos acampem ao lado da segunda circular. Podemos deixar de ter institutos despesistas, como o INEM, o Instituto Português de Sangue ou o Instituto Ricardo Jorge.
Se isto corre mal, corre mal a sério. A moda europeia de mais impostos e cortes salariais vai fazer com que as pessoas consumam menos, que as empresas percam negócio e que os despedimentos aumentem. Já se dá de barato que parte da classe política ignore a violência que é alguém ficar sem o emprego e ache que se devem pôr os preguiçosos a combater fogos. Já é mais estranho que se ignorem as consequências. Em Maio deste ano, em Espanha, a Caja Sur esteve prestes a ir à falência. Esta caixa de aforro, propriedade da igreja católica - que neste caso abriu uma excepção ao pecado da usura e encontrou redenção nos investimentos de risco -, teve de receber ajuda do Banco de Espanha. O banco de todos injectou dinheiro no banco dos padres, impedindo que milhares depositantes perdessem o dinheiro que ali tinham guardado. O banco é de Córdova, na Andaluzia. É a segunda região espanhola com mais desemprego: 28% da população activa estava sem trabalho, na altura, segundo o INE espanhol. Entre os mais novos o cenário era pior. Na população entre 16 e 19 anos, a taxa de desemprego estava em 68% e entre os 19 e os 25 anos atingia 47%. O banco entrou em insolvência devido à quantidade de pessoas que deixaram de pagar a prestação da casa.
O CDS quer pôr na Constituição um limite de 35% para a carga fiscal. A economia dinamarquesa, a sueca e a generalidade dos países mais desenvolvidos do mundo seriam inconstitucionais.
Economistas e políticos mais rígidos têm defendido limites constitucionais à despesa pública. Dinamarca, Finlândia e Suécia são aberrações.
O défice é um mito. Se recuarmos ao período entre 2000 e 2007, antes da crise financeira, quais os dois países do euro com melhor comportamento nas contas públicas? Espanha e Irlanda, que chegaram a ter excedentes orçamentais. Estão agora no mesmo grupo de porcos incumpridores da Europa, sob a ameaça do FMI. Espanha entalou-se com uma "bolha imobiliária", um eufemismo bonito para os bancos que andaram a emprestar dinheiro ao desbarato para condomínios e sanitas que ninguém compra. Na Irlanda a bolha foi financeira - havia demasiada gente parecida ao António Borges a comprar acções e derivados. Talvez, mas só talvez, o défice orçamental não seja o melhor indicador para avaliar a solidez de uma economia. Talvez a Europa devesse preocupar-se mais em controlar o movimento de capitais e em regular as exuberâncias irracionais dos mercados do que em ser contabilista dos governos. Ou com mecanismos comunitários de apoio a países em dificuldades financeiras e com políticas de investimento que gerem crescimento económico. A carga fiscal e a despesa pública não dizem nada por si só, se não forem ponderadas pelos serviços prestados pelo Estado, pelo crescimento do PIB e pela distribuição do rendimento. O problema crónico de Portugal é a incapacidade de crescimento, para a qual a falta de qualificação
é um dos maiores contributos . Vamos ver como evolui a taxa de escolarização nos próximos anos, com cortes de salários, do abono de família e d a acção social escolar.