Com a divulgação do último relatório de segurança interna, concretizou-se em números o sentimento que já era nítido desde o Verão passado, em que os telejornais ocupavam a primeira meia hora da edição com assaltos a bancos e pessoas a serem baleadas na cabeça: Portugal transformou-se no faroeste. Um valor muito citado depois da apresentação do relatório, há uns dias, foi o número total de crimes. Era o mais alto da década e, quem sabe, desde 1143.
Esta questão já me havia causado urticária no Verão, por isso decidi perder algum tempo a consultar o relatório (outros blogues, como este, fizeram o mesmo). Na página 80 do documento, verifiquei que os crimes que mais contribuíram para o aumento de ocorrências foram a contrafacção de dinheiro, os fogos postos, a burla informática e o lenocínio. Primeiro torcer de nariz face à teoria do faroeste. Só porque há mais chulos, incêndios, notas falsas e correio electrónico fraudulento devemos sentir-nos mais inseguros?
Passei à criminalidade violenta - roubos, homicídios e por aí fora. Na página 85 aparece um gráfico com a evolução ao longo de uma década, que inseri em baixo. De facto, houve uma subida no último ano, mas em 2004 e em 2006 houve mais crimes violentos do que no ano passado. Não me lembro de, nesses anos, ter ser noticiada uma "vaga de crimes", como se tornou comum no Verão passado.
A segurança é sempre uma questão de percepção. Para mim, os tempos de maior criminalidade foram no final do secundário e início da faculdade, nos anos 90, em que dia sim dia não tinha um carocho a tirar-me trocos e os "dreads" faziam razias no Bairro Alto. Se for assaltado amanhã, até pode ser que comece a dizer a frase "Isto anda mal" e a querer votar no Paulo Portas. Para muitas pessoas instaladas no conforto do lar a verem demasiada televisão, admito que meia hora de crimes na abertura de telejornais possa ser algo perturbador. Mesmo que muitas delas nunca tenham sido assaltadas.
Com o novo emprego, vou ter um seguro de saúde pela primeira vez na vida. Percebi depois que toda a gente mente nos questionários que a seguradora faz, mas a minha alma cândida foi incapaz de fugir à verdade. À pergunta sobre se consumia bebidas alcoólicas, respondi que sim. Quando me foi questionada a quantidade diária, indiquei "Quatro whiskies à sexta-feira". Sobre se já estive internado num hospital, respondi afirmativamente. Solicitado a apontar o motivo, respondi "Operação ao testículo". Para começar com o pé direito num novo trabalho, nada melhor do que impressionar o pessoal dos recursos humanos que vê estes impressos e suscitar interesse nos nossos órgãos reprodutores.
Mudei de emprego há pouco tempo. Trabalhava na Avenida da Liberdade, numa empresa que havia iniciado um processo de despedimento colectivo. Não estava no grupo que iria ser dispensado, mas, por sorte, surgiu uma oportunidade. Fui para o Chiado, para uma empresa que há umas semanas atrás não conseguia gerar dinheiro suficiente para fazer face aos custos salariais: pagava aos trabalhadores com recurso a crédito. Apercebi-me de um certo padrão nos locais de trabalho por onde passo. Por norma, são empresas em situação falência técnica mas instaladas nas melhores zonas de Lisboa.
Era para fazer um post alegre sobre o primeiro aniversário deste blogue, sobre a liberdade de escrever barbaridades ou palavras sérias consoante a inclinação do momento, sobre o entusiasmo de receber o primeiro comentário a um texto. Mas não consigo. Abateu-se uma tragédia sobre a minha existência e o estado de depressão é inevitável. Tornou-se realidade o pior pesadelo que pode atingir um homem que entra na idade madura. Nasceram-me dois pêlos nas orelhas.
Até gosto de ver os Prós e Contras. Só me chateia ter de mudar de canal durante os segundos em que a apresentadora fala.
A propósito do congresso do PS, recordei-me uma intervenção recente de Sócrates, em que o primeiro-ministro destacava o impacto dos grandes investimentos públicos nas pequenas e médias empresas, tentando contrariar a oposição. Dizia Sócrates, literalmente, que quando se faz uma barragem há muitos cafés e restaurantes locais que têm mais negócio. Embora seja verdade, não deixa de ser irónico. Sócrates começou o mandato com simplex's e planos tecnológicos. Vai acabá-lo extasiado com o facto de que o consumo de minis e bitoques nas tascas da província faz crescer o PIB.
Ou a melhor forma de pôr fim a quase um mês sem escrever.