Um dos argumentos mais em voga nos defensores da austeridade é o aparente sucesso da Irlanda, que cortou a torto e a direito na despesa pública e tem o PIB a crescer. Há motivos muito fortes para torcer o nariz. O facto de a Irlanda estar a crescer significa apenas que as empresas multinacionais com sede fiscal no país estão a ter um maior volume de negócios. Como o país é usado como entreposto fiscal devido ao baixo IRC, por exemplo por farmacêuticas americanas que provavelmente só têm uma secretária e uma caixa de correio na Irlanda, grande parte desse rendimento sai depois do território, na forma de dividendos ou lucros repatriados. É apenas um número que por ali passa. O impacto do crescimento contabilístico do PIB na economia real irlandesa é limitado. Se virmos as contas do país não através do PIB mas através do Produto Nacional Bruto - que desconta as rendas que uma economia envia para o exterior -, a Irlanda esteve, está e vai continuar em recessão, tal como a Grécia e Portugal. Quem anda a apregoar as virtudes do bom aluno, terá certamente dificuldade em explicar como é um desempenho económico tão pujante aumenta o desemprego para mais de 14%.
O meu wall do facebook foi invadido por mensagens de raiva face à greve geral e aos selvagens do século passado que a ela aderiram. Como decidi participar na paralisação e me considero um tipo relativamente civilizado, não consigo resistir a comentar alguns pontos em que me parece haver injustiça de argumentação.
As pessoas em greve perdem um dia de salário. As pessoas em greve que cumprem serviços mínimos, como os médicos, perdem o salário e trabalham à mesma, porque fazem questão de formalizar a adesão à greve. O impacto pernicioso no PIB e na produtividade é um mito, porque a esmagadora maioria das empresas que conta para o PIB recupera a produção noutros dias. Provavelmente a produtividade aumenta em muitas empresas porque a produção se mantém e a carga salarial das empresas desce.
Há pessoas, como eu, que não fazem greve porque um sindicato ou um partido lhes diz para fazer greve. Fazem-no porque têm a convicção profunda de que as opções que estão a ser tomadas a nível europeu, com reflexos imediatos nos decisores nacionais, estão erradas. Que pensam que qualquer ajustamento financeiro tem de ser feito em prazos e em condições que não ponham em causa as bases do funcionamento da economia, da sociedade e da democracia. Infelizmente, não é possível participar nos actos eleitorais alemães ou franceses, e o Banco Central Europeu nem sequer tem dirigentes eleitos. Não me lembro de nenhum programa eleitoral que, nas últimas eleições legislativas em Portugal, referisse que, através de cortes em subsídios de Natal e de férias, iria haver funcionários públicos e pensionistas com reduções de rendimentos superiores a 30% ao longo do programa de assistência económica. A greve acaba por ser o mecanismo que resta para mostrar esse descontentamento. Mesmo que não mude nada a curto prazo, serve como simbolismo.
Não faço ideia se a greve faz com que haja mais gente em esplanadas ou em centros comerciais. No meu caso, vou ficar em casa a ler dois ou três textos sobre economia. Como o principal motivo para a falta de competitividade do país é a falta de qualificações dos trabalhadores, acho que é um bom contributo para fazer subir o PIB.
1 - Independentemente da pergunta sobre a crise actual, explicar que os portugueses viveram acima das possibilidades.
2 - Referir que isto significou uma quantidade absurda de gente a recorrer a crédito para passar férias em estâncias de luxo, comprar Bimbys de sétima geração ou plasmas de três metros quadrados.
3 - Concluir que os portugueses não podem continuar a viver acima das possibilidades.
4 - Quando questionado sobre o facto de mais de 80% do endividamento dos portugueses ter servido para comprar habitação, alegar que viver numa casa é uma aberração sumptuária. Neste ponto da argumentação, acrescentar que as famílias vivem numa orgia de consumo porque bebem iogurtes líquidos de manhã.
de perceber que o Carlos Moedas está num governo da República Portuguesa, é com alegria que constato a minha recuperação desse choque anafilático severo (obrigado wikipedia) e que estou pronto para recomeçar a escrever.
Cavaco Silva, 13 de Julho de 2010:
Cavaco Silva, 6 de Julho de 2011:
A estratégia visionária do PSD para ganhar as eleições é pôr 700 mil malandros desempregados a limpar matas no Verão e dar um atestado de incompetência aos 500 mil ignorantes que passaram pelas Novas Oportunidades. Juntos, estes dois grupos representam algo como 13% dos eleitores inscritos em Portugal e 20% dos votantes efectivos das últimas eleições. Passos Coelho está a estancar a fuga de votos com a retenção do núcleo duro no losango Cascais-Lapa-Santa Comba Dão-JSD. Genial.
No supermercado que frequento, a prateleira dos vinhos tem preservativos à venda.
Parece que os tipos do FMI trabalham nos feriados. Quando forem ao Ministério das Finanças no 25 de Abril levam com revolucionários na Avenida da Liberdade. Se forem ao Banco de Portugal no 1º de Maio apanham com sindicalistas na Almirante Reis. Pode ser que mudem de ideias e vão para a puta que os pariu.
O PSD já deve ter encomendado um carregamento de guronsan para comemorar a vitória nas próximas eleições, com base nas sondagens já publicadas:
Marktest - 18 a 23 de Março
PSD - 46,7%
PS - 24,5%
Intercampus - 24 a 26 de Março
PSD - 42,2%
PS - 32,8%
É certo que estão à frente, mas é impressão minha ou bastou que Passos Coelho e Miguel Relvas falassem dois dias seguidos para que a diferença entre os dois partidos passasse de 22,2 para 9,4 pontos percentuais? A minha projecção indica que o PSD ganha à rasca ou até perde, dada a apetência dos seus dirigentes por burrices técnicas, inconstância de argumentos e medidas neo-irlandesas, que os próximos dois meses devem revelar. Para mais reflexões sobre o tema, um resumo das últimas eleições presidenciais:
Marktest - dois meses antes das eleições
Cavaco - 78%
Alegre - 15%
Intercampus - dois meses antes das eleições
Cavaco - 62%
Alegre- 26%
Resultados oficiais
Cavaco - 53%
Alegre - 20%
A digestão da moção de censura do Bloco de Esquerda ainda é curta, mas só me ocorre a palavra "idiotice" para classificar a decisão do partido. Correndo o risco de não estar a ver bem o filme, ou de não estar a ver o filme todo, acho que Louçã é bem capaz de ter assinado o seu último acto político relevante enquanto líder partidário. A decisão de apresentar uma moção de censura que entrega o poder de bandeja a Passos Coelho pode sair-lhe caro. Começa já nestas eleições. Aparentemente, o partido não percebeu que, mesmo que haja muito eleitorado de esquerda descontente com o PS, as alternativas Passos Coelho ou Passos&Portas são encaradas ainda com mais azedume. Não percebeu que há quem ache estranho estar a fazer isto um mês depois de ter apoiado Manuel Alegre, militante do partido que se quer derrubar. O PS e o PCP vão capitalizar o eleitorado que não gostou da precocidade do bloco, e o PS capta acima de tudo os votos úteis. A direita também ganha com esta movimentação: fica com o argumento de que foi o bloco a criar instabilidade política, não a direita. Sinceramente, só não consigo perceber as vantagens da moção para o próprio bloco. E, se a moção for aprovada pelo PSD e a direita for para o poder, o espaço do BE fica ainda mais fechado na próxima legislatura. Cada vez que tentar criticar o que quer que seja na governação, o BE terá os partidos à esquerda a apontar-lhe o dedo como o partido que possibilitou as asneiras que forem sendo feitas. Internamente, o cenário não será melhor. A moção de censura não foi discutida com os órgãos mais alargados do partido e haverá certamente descontentamento com a cúpula. O BE é Francisco Louçã. E com um Louçã mais fraco, o BE corre sérios riscos de desaparecer do mapa político nos próximos anos.
Faz parte do ritual de qualquer greve ouvir sindicalistas dizerem que há a maior adesão de sempre. Há dois anos, houve até quem falasse numa adesão superior a 100%.
O Governo marcou uma conferência de imprensa para os telejornais do almoço. Vão dizer que a greve está a ter um impacto limitado e que a maioria dos portugueses está a trabalhar normalmente, que há hospitais a funcionar e transportes a circular. Pelas experiências passadas, devem dizer que a greve está a ter uma adesão de 10% ou 15%. Entretanto, no aeroporto:
1 - No próximo ano, a pensão de 200 euros que a minha avó recebe vai ficar congelada e todas as contas que recebe em casa vão aumentar, com a subida do IVA e das taxas de serviços públicos. A reforma do meu pai vai diminuir algumas dezenas de euros e a comparticipação da ADSE para comprar medicamentos vai baixar. O meu ordenado vai levar um novo rombo por causa do aumento do IRS e parte deste aumento generalizado de impostos vai financiar os vencimentos de personalidades como Jorge Coelho, da Mota-Engil, através dos pagamentos que o Estado vai ter de fazer a empresas de construção civil, ou Armando Vara, da Camargo Corrêa, através do cimento que é necessário comprar para fazer auto-estradas. E isto numa família que não será certamente das mais afectadas com o que aí vem.
2 - O país está com um problema grave de endividamento, consequência directa de anos de má gestão dos dinheiros públicos, canalizados para obras públicas e outros investimentos de interesse duvidoso, à custa da regressão de salários, de apoios sociais e da degradação de serviços públicos. Perante esta situação, alguns alemães pensam que o melhor caminho é reduzir o défice, mas como todos os países estão a fazer isso ao mesmo tempo ninguém consegue consumir, exportar e ter crescimento económico: os problemas só se agravam. Há um risco real de sermos forçados a sair do euro. Isto significa que quem não transferir o dinheiro que tem em depósitos portugueses para uma conta na Alemanha, antes de isso acontecer, vai ficar, de um momento para o outro, com metade das poupanças: no mesmo dia em que introduzirem de novo o escudo, a moeda desvaloriza automaticamente face ao euro. Mas as dívidas ao exterior continuam a ser em euros e nós temos escudos; ficamos a dever a dobrar. Muitas empresas e bancos não conseguem pagar e vão à falência. A inflação pode facilmente atingir 20 ou 30%, e não seria de admirar que o mesmo acontecesse à taxa de desemprego. Um dia de greve anima a malta antes da tragédia.
3 - Quando comecei a trabalhar, estive cinco anos a recibos verdes. Neste momento, e segundo números oficiais que devem pecar por defeito, há mais de 450 mil trabalhadores com este vínculo laboral. Não têm subsídio de Natal, aumentos anuais, subsídio de maternidade, doença ou desemprego.
4 - Incomoda-me que os argumentos contra quem faz greve sejam sempre, sempre os mesmos, independentemente da greve e da situação que a origina. São os preguiçosos da Função Pública que não querem trabalhar; os protestos não conseguem provocar mudanças e por isso são inúteis e até prejudicam o país num momento de crise. Seria engraçado que este raciocínio tivesse sido seguido pelos trabalhadores na Revolução Industrial, há 200 anos: ninguém tinha feito nada contra jornadas de trabalho de 16 horas por dia, sete dias por semana, que incluíam crianças a partir dos seis anos. Incomoda-me que ninguém nos jornais e nas televisões diga que no call-center da PT e na distribuição da EDP - as maiores empresas privadas em Portugal - houve uma adesão superior a 75%. Que ninguém chame a atenção para o facto de que quem faz greve perde um dia de salário e que os trabalhadores que cumprem serviços mínimos não se importam de trabalhar todo o dia e ficar sem ordenado porque fazem questão de formalizar a adesão à greve.
5 - Apetecia-me começar o dia a ouvir Rage Against the Machine e a escrever no blogue.